Cinema | Challenger: Voo Final, de Steven Leckart e Daniel Junge

Challenger: The Final Flight (EUA, 2020). Com Dick Scobee, Judith Resnik, Ronald McNair, Michael Smith, Gregory Jarvis, Ellison Onizuka e Christa McAuliffe.

Rodrigo Torres
3 min readOct 7, 2021

Mal comparando, é o Chernobyl (2019) estadunidense. Muito mal comparando, eu sei, mas segue o raciocínio: são duas minisséries muito eficazes em narrativizar uma tragédia nacional motivada pelas sandices da Guerra Fria. Mais que eficazes, são ambas eficientes. Duas belas peças audiovisuais.

Challenger: Voo Final (Challenger: The Final Flight, 2020) destoa de Chernobyl por ser um documentário, e de formato bem tradicional. Porém, é também dotado de dramaturgia, graças ao seu belo trabalho de montagem e compilação de entrevistas, informações e imagens de arquivo, infindáveis.

Professora Christa McAuliffe, o rosto do programa “Espaço Para Todos”.

Se você não sabe nada sobre o assunto, saiba apenas disso: o documentário narra o desfecho do programa “Espaço Para Todos”, uma espécie de política de estado do governo Ronald Reagan que visava a aumentar a popularidade da NASA (um símbolo do poderio “americano”) e os investimentos da agência no programa dos ônibus espaciais em 1986, crepúsculo da Guerra Fria. A ideia era mostrar que naves como o Challenger eram seguras e capazes de levar não só astronautas muito preparados para o espaço, mas também pessoas comuns, como a simpática professora Christa McAuliffe.

Para finalizar logo (minha intenção é apenas documentar impressões e recomendar esse bom doc) e justificar minha comparação apelativa, o que mais me envolve em Challenger é o seu formato narrativo: começa e termina como Chernobyl, primeiro encenando um evento trágico e, ao fim, os motivos e as consequências desse crime provocado por um Estado muito burocrático, muito ambicioso e nada racional, nada humano — algo tão grotesco quanto o incidente em si, além de ter sido a sua causa.

Cliques de uma tragédia.

O que difere Challenger é se debruçar, em todo o seu desenvolvimento, e com uma abordagem mais próxima da realidade, sobre as vidas humanas perdidas. É duro pensar que se manipulou tantos sonhos para fins tão escusos, e que, assim, tantas famílias foram mutiladas. Um sentimento bem expresso em seu lindo cartaz mais abaixo.

Repare bem como vemos uma maravilha do homem ser realçada pelo brilho do Sol, a estrela em torno da qual gira todo um sistema imenso e, ainda, desconhecido. Reparem também como o céu ao redor do Challenger, diferente daquele dia azul e frio do inverno na Flórida, está carregado de nuvens negras. Um símbolo do patriotismo americano e seus paradoxos.

A arte sintetiza bem o sucesso do documentário da Netflix: uma boa reconstituição da grandeza da NASA, de suas conquistas para o ocidente, do ludismo capitalista incutido na sociedade, e também do pano de fundo sombrio desse sonho forjado, produto de uma ambição imperialista cheia de zonas bastante cinzentas. Apenas mais um fracasso do Sonho Americano.

Challenger: Voo Final é aula de História, um prato cheio para fãs de astronomia e ciência e, também, uma produção audiovisual de excelência.

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Rodrigo Torres

Críticas de cinema e TV. Pitacos eventuais sobre esportes, política e o que mais der na telha.