Cinema | Drive e as referências que embasam o cinema de Nicolas Winding Refn

Drive (EUA, 2011). Com Ryan Gosling, Carey Mulligan, Bryan Cranston, Albert Brooks, Oscar Isaac, Christina Hendricks e Ron Perlman.

Rodrigo Torres
3 min readApr 15, 2023

O auge da carreira do Nicolas Winding Refn. Com folga. Drive (Drive, 2011) é um filme em que o gosto do cineasta por tramas exíguas e tomadas contemplativas se apoiam em bases muito sólidas: trilha sonora excelente realçando uma estética toda estilosa, com um toque vintage, tempos baixos alternados com picos de tensão e violência gráfica bem preparados e duas referências cinematográficas escolhidas a dedo: O Samurai (Le Samouraï, 1967), de Jean-Pierre Melville, e O Caçador da Morte (The Driver, 1978), de Walter Hill.

Bulevar dos clássicos

Eu vi esses dois filmes sem saber de sua importância para Drive — o que, de certa forma, me causou espanto e fez eu torcer o nariz para o diretor (com anos de atraso, risos). Algumas sequências são copiadas quase que inteiramente desses filmes, o que é bastante discutível e, a princípio, eu achei decepcionante. Mas é fato que o Refn soube manipular essas peças e elaborar a sua versão condensada de dois clássicos com muita qualidade — a exemplo da abertura espetacular de Drive. Pelo resultado artístico, eu absolvo o dinamarquês.

Ryan Gosling é o Driver: mesmo “nome sem nome” do personagem de Ryan O’Neal em The Driver

Além dos aspectos citados no primeiro parágrafo, Nicolas Winding Refn trabalha três elementos fundamentais de O Samurai e The Driver em Drive. O cinema neo-noir, explorando as ambiguidades de seus personagens e tendo temáticas sociais como pano de fundo de um mundo mau. O protagonista sem nome, monossilábico, que ativa uns bons gatilhos de curiosidade mesmo sendo um personagem chapado. E as cenas de ação, chupando de forma desavergonhada as perseguições de carro do filme de Walter Hill.

Dois anos depois, Refn pegou tudo que fez em Drive e radicalizou a proposta. O resultado foi Só Deus Perdoa (Drive, 2013) e uma chuva de rejeição. Justo? Acho que sim, o filme é bem pior. Mas, desde a época de seu lançamento, me espanta a pobreza das críticas. Ninguém repara as interseções entre as duas obras? Os bons críticos do cinema do Refn têm no filme de 2013 um prato cheio para elaborar os (supostos) problemas no filme de 2011.

Ryan Gosling em Só Deus Perdoa

Um bom amigo e bom crítico, Daniel Dalpizzolo, reclama a “purfemaria” de Drive: “Se soprar a tela, a imagem se estilhaça” . Já eu acho que os vazios de Drive são muito bem calculados e preenchidos por todos os elementos apontados ao longo desse texto. E que, com as boas referências de Drive, Só Deus Perdoa teria a base necessária para o diretor adornar com suas marcas. Com as próprias pernas, Refn realizou um exercício de estilo chato e oco. Seu “faroeste no leste distante” não passa de um filme escasso.

★★★★☆

Texto originalmente publicado no Letterboxd.

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Rodrigo Torres

Críticas de cinema e TV. Pitacos eventuais sobre esportes, política e o que mais der na telha.