Política | Bolsonaro prova em coletiva que não sabe recuar, não sabe usar máscara… não sabe nada!

Jair Bolsonaro não sabe governar: deu mau exemplo, mostrou os efeitos da pressão sobre o Ministro da Saúde e, acuado, convocou sua turba a fazer panelaço em seu favor.

Rodrigo Torres
5 min readMar 19, 2020

Bolsonaro, acabou! A reação valente de um haitiano ao comportamento nefasto do presidente brasileiro em meio à crise do novo coronavírus (negando a pandemia, violando instruções da OMS, incitando manifestações, cometendo crimes contra a saúde pública e a democracia, atacando o Congresso e o Supremo) se tornou símbolo do momento mais crítico do governo do mandatário de extrema-direita — um momento de forte pressão pelo seu impeachment da parte dos principais fiadores de sua candidatura: a mídia hegemônica, as casas legislativas, a opinião pública, as ruas. E se tem alguém que notou esse cenário, esse alguém foi justamente Jair Bolsonaro.

A prova concreta disso foi a coletiva de ontem (18) no Palácio do Planalto. Após meses se manifestando de forma mambembe, por meio de lives coléricas em ambientes mal iluminados e desorganizados e entrevistas na porta de seu local de trabalho salpicadas por ofensas a jornalistas, o presidente reuniu seus principais ministros com a solenidade que o cargo exige para anunciar o pedido de reconhecimento do estado de calamidade pública no país, a fim de se flexibilizar o orçamento para o combate do Covid-19. Apesar do cenário apropriado, o que se viu foi o estado de calamidade do governo.

Jornalistas proeminentes da Jovem Pan e da Época foram críticos enfáticos à postura de Bolsonaro na coletiva de ontem

Os raros bons ministros desse (des)governo, Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), lideraram os raros bons momentos da coletiva, ao divulgar seus planos emergenciais para a contenção da crise no país. Mas antes disso, de cara, o que se viu foi um problema grave de simples apresentação do grupo. Mascarados, eles tocavam o equipamento de proteção toda vez que iam ao microfone, e o recolocavam. Toda vez, a máscara sambava nos rostos deles, indo dos olhos à boca, numa verdadeira aula de como usar o objeto não para se proteger, mas para se contaminar.

“A mensagem de um agente público não respeitando os protocolos de saúde acaba diminuindo a mensagem falada de preocupação com a doença”, sintetizou o virologista e professor Maurício Nogueira à Folha. E foi bem isso: ficou claro que a coletiva tinha o objetivo de enfim transmitir uma mensagem de responsabilidade, mas não por genuína preocupação (Bolsonaro é um ególatra, que só se manifesta com verdade a respeito do que lhe convém, e como ele se considera intocável ao perigos dos vírus, não está nem aí para os riscos que isso representa para a população), e sim porque o presidente foi convencido 1) da necessidade de se flexibilizar o orçamento e 2) de que sua popularidade vem caindo vertiginosamente nas últimas semanas, e era preciso recuar para abaixar a tensão e o risco de um impeachment.

Pressão manifesta em opressão velada

Por isso vimos um Bolsonaro mais pacífico, menos belicoso. Embora sem deixar as patadas totalmente de lado. E respondendo ao panelaço contra o seu governo para, pasme, convocar um panelaço em seu favor, meia hora depois (e que foi um fracasso em relação ao panelaço legítimo — onde já se viu bater panela para alguém que se apoia?! E a mesma [i]lógica da manifestação a favor). Mas o que se viu de mais terrível não saiu de sua boca (não ao vivo), se manifestou no outro: na postura humilhante adotada por Luiz Henrique Mandetta.

Enquanto Jair Bolsonaro adotava uma postura absolutamente irresponsável ao dizer que o Covid-19 não passava de uma fantasia, o Ministro da Saúde se portava de maneira exemplar para conter o vírus no país. De forma assertiva, educativa e madura, como ao se reunir com desafetos do governo federal em prol de um bem maior. E não é que o bom trabalho de Mandetta contrariou o chefe? Segundo a Folha, Bolsonaro cobrou um “discurso político” do ministro.

O mau exemplo de Jair Bolsonaro

Em outras palavras, Bolsonaro queria que o médico descumprisse seu juramento e fosse negligente com a população. Mandetta foi advertido por não incitar o “direito do cidadão de participar de protestos” — ou seja, o ~direito do cidadão de contaminar uns aos outros. A ordem é desrespeitar protocolos da Organização Mundial de Saúde, como a quarentena, para não afetar a atividade econômica (repercussão daquele discurso burro do Paulo Guedes, que não entende que quanto antes a pandemia for contida, melhor para a economia).

É bem possível que a atuação de Luiz Henrique Mandetta como porta-voz do governo, portando-se como um verdadeiro chefe de estado, tenha intimidado Bolsonaro. Apesar de o presidente ser um lunático que vê inimigos em toda parte e reage sempre que alguém se destaca como um potencial adversário na próxima corrida presidencial, é fato que burburinhos já exaltavam Mandetta como uma opção infinitamente melhor que Jair em 2022.

Moro, Guedes, Bolsonaro, Mandetta e Barra Torres

Também é fato que um olavista perfeitamente alinhado com as loucuras do presidente cobiça o Ministério da Saúde. Ele é Antônio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a figura quieta de expressão bizarra colada a Mandetta ao longo da coletiva de ontem. Essa simples disposição espacial já era constrangedora o bastante para o ministro. Mas não o suficiente para Bolsonaro, que se enfurecera porque ele não defendeu sua participação nas manifestações de 15/03. Então, o ministro louvado por seu perfil técnico deixou a sobriedade de lado e danou a adular o presidente, com exageros e mentiras, exaltando uma atuação admirável que Bolsonaro não teve e ainda não tem durante essa crise do Covid-19. Lamentável. E efetivo. Bolsonaro enterrava ali a imagem de um possível líder de chapa na próxima eleição presidencial.

Mas nada mudou em termos de rejeição a Jair Bolsonaro. O Rio de Janeiro, na Copacabana que foi palco de apoios ao presidente, amanheceu com mais panelaço espontâneo pedindo o seu impeachment. Ou ele tira a máscara, larga o personagem e vira governante ou perderá a chance única de sê-lo.

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Rodrigo Torres

Crítico de cinema, membro da Abraccine. Letrólogo e jornalista formado em Comunicação e UX. Amo artes, esportes, geopolítica e todo tipo de papo de bar.