Política | Vexame em Davos: Paulo Guedes vai pior que Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial

Pelo 2º ano consecutivo, governo envergonha o Brasil na Suíça. Dessa vez, com desinformação, ódio de classe e programa infame que revelam a faceta desse (des)governo elitista.

Rodrigo Torres
5 min readJan 23, 2020

O governo brasileiro precisa tomar nota de uma coisa importante: a imprensa e a sociedade internacionais são diferentes das que encontramos em nossas terras. O que é consenso lá fora, não é tão suscetível à polarização entre direita e esquerda como no Brasil. Principalmente se o palco for o Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, coberto pelas principais e mais sérias editorias jornalísticas do planeta. O buraco é mais embaixo. O sarrafo, lá em cima.

Após Jair Bolsonaro decepcionar, em 2019, ao ler um discurso genérico com a (falta de) fluidez de um homem chucro à beira do analfabetismo funcional, esse ano foi a vez de Paulo Guedes apresentar os planos econômicos de seu “superministério” — e mostrar pra todo mundo, literalmente, que suas ideias nada têm de “super”.

Não no bom sentido, pelo menos. Mas o prefixo até que cabe em outros contextos. Podemos dizer que seu entendimento sobre a preservação do meio ambiente é superlimitado, por exemplo. Ou que sua visão sobre os pobres é superclassista. E que seu projeto de distribuição de vouchers para serem usados na educação privada, sendo ele um investidor da educação privada, faz dele um superinteresseiro — ou, em bom português, um superpilantra.

Ódio aos pobres

Assim eu já resumi as duas atrocidades que Paulo Guedes proferiu em Davos. A primeira foi manchete em todo lugar: “O pior inimigo do meio ambiente é a pobreza”, disse o economista, minimizando o impacto da indústria (protegida de forma criminosa por Bolsonaro) na natureza com uma falácia abjeta. “As pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer”, profanou.

Falas desse tipo não são novidade no governo de Jair Bolsonaro, eleito com base nas estratégias de disseminação de mentiras de Steve Bannon, disparos de mensagens em massa com fake news — que chegaram ao baixo nível de dizer que o partido de seu concorrente distribuía mamadeiras eróticas em escolas — e cuja equipe ministerial demonstra, frequentemente, alto grau de paranoia, perversão e mentira, e nenhum de ética e justiça.

Ernesto, Damares, Salles, Moro: cavaleiros do apocalipse de Jair Bolsonaro.

A declaração de Paulo Guedes é como dizer que a Terra é plana. Especialistas são unânimes em apontar os verdadeiros inimigos das florestas brasileiras: as commodities, o desmatamento ilegal, a grilagem e a especulação de terras. Ou seja, latifundiários, pessoas ricas. “O desmatamento feito por pequenas propriedades familiares tem baixo impacto ambiental”, explica o G1, segundo depoimento de Alfredo Sirkis, diretor do Centro Brasil no Clima.

Portanto, o que espanta nessa fala de Paulo Guedes é o tremendo descompasso entre seu preparo para o cargo, que é mínimo, e o respeito que ele detém entre a elite financeira do país. Para essa, não importam os seus desatinos, suas grosserias ou que ele chame a esposa do Presidente da França de feia. Tampouco que ele demonstre, a todo momento, um incontido ódio por pessoas pobres.

Menos estado para os mais pobres

Talvez por isso ele seja tão adorado. Só alguém com esse perfil é capaz de levar a cabo as medidas impopulares que agradam o mercado e a elite. Que, de um modo geral, consistem em desonerar o Estado de suas obrigações previstas na Constituição e nos impostos pagos pela população. Sem mexer nos privilégios das classes mais abastadas — desregulações, desonerações fiscais, liquidação de dívidas (Refis), menor taxação, não regulamentação do imposto sobre grandes fortunas etc — mantidos por esse mesmo Estado demonizado por eles próprios, os ricos.

Por todo esse contexto, a segunda patifaria dita por Paulo Guedes em Davos soa como um soco na cara! O ministro anunciou para todos o seu programa “gigantesco” de distribuição de vouchers para a educação básica. Os tíquetes serão usados para financiar os estudos de crianças em escolas privadas — setor em que Paulo Guedes investiu durante anos como um dos sócios da BR Investimentos, do grupo Bozano.

“No Chile, os vouchers geraram benefícios enormes para umas poucas escolas, mas o efeito médio foi zero e os grupos mais vulneráveis sofreram”, declarou Daniel dos Santos, coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Economia Social (Lepes) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), para o Valor International.

Trocando em miúdos, Paulo Guedes se furta de investir em um sistema de educação centralizado, grande o suficiente para reduzir custos e se fortalecer como uma unidade de ensino com profissionais capacitados (assim, de quebra, garantindo um bom emprego para muitos milhares de educadores), para ser lobista de um projeto que beneficiará investidores de que é próximo e, segundo exemplos em outras partes do mundo, não será tão benéfico à população.

Paulo Guedes em Davos

Vale ainda dizer que o “Posto Ipiranga” defende a implementação desses vales também na Saúde, o que aumentaria custos e não garantiria resultados. “É coisa de país subdesenvolvido. A gente já tem um SUS, com uma estrutura muito mais sofisticada do que a maioria dos países do nosso nível”, disse o médico Gustavo Gusso, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), para a Folha.

Essa lógica de mais Estado para os ricos e menos Estado para quem precisa, veiculada em cada falácia absurda e cada projeto execrável do Sr. Paulo Guedes, me lembra um tema que me agrada bastante: os psicopatas. Pesquisa da Bond University, na Austrália, atestou que 21% dos CEOs de 261 empresas apresentaram traços de psicopatia — proporção similar à encontrada dentro de presídios!

Em vez de matar, esses executivos muito bem-sucedidos manifestam “dificuldade de empatia, superficialidade e falta de sinceridade” no topo da pirâmide, em nome do dinheiro, e não necessariamente no mercado de trabalho; eles estão na política também. Homenageando torturador, dirigindo e estrelando vídeo que exalta o nazismo ou contando mentira antipobre com a maior cara lavada, pro mundo inteiro ouvir.

Tanta semelhança pode não ser mera coincidência. Ou: só isso explica uma política tão egoísta, irracional, antidemocrática e contra tudo que pressupõe o sentido fundamental dessa mesma política: mediar recursos com respeito e responsabilidade para uma vida em sociedade melhor para todos.

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Rodrigo Torres
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Written by Rodrigo Torres

Crítico de cinema, membro da Abraccine. Letrólogo e jornalista formado em Comunicação e UX. Amo artes, esportes, geopolítica e todo tipo de papo de bar.

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